Você pode escutar este episódio clicando aqui.
Silêda
Olá!
Eu sou Silêda.
Valdir
Eu sou Valdir.
Silêda
E esse é o podcast EntreLinhas, um podcast de histórias, encontros e orações.
Valdir
Nossa vida é um é um tecido, não é, um tecido de encontros, roteiros e, passo a passo, a gente vai tecendo e sendo tecido no que a gente acaba sendo, no que a gente acaba se tornando.
Silêda
Histórias!
No último dia 27 de abril faleceu (2021), René Padilla. Um nome bastante conhecido. Ele e a Katy, sua esposa, foram dessas pessoas que, através de diferentes encontros que foram participando no tecer da nossa vida e vocação, marcaram nossa vida.
Neste podcast, queremos falar de dois primeiros encontros com René. Os dois primeiros encontros, o do Valdir e o meu.
Valdir, você conta primeio?
Valdir
Esse encontro, de fato, aconteceu faz muito tempo. Eu tinha 21 anos. Eu sou natural de Joinville, Santa Catarina, de um contexto de bastante, digamos de uma simplicidade de classe média e eu fui estudar teologia no Rio Grande do Sul, que já era bastante distante da minha cidade natal Joinville e era um vai-e-vem de ônibus; de noites de ônibus. Quando eu encontrei o René Padilla, foi a primeira vez que eu saí do Brasil. Eu saí de Joinville, Santa Catarina, rumo ao Rio Grande do Sul, de ônibus e, claro, no Rio Grande do Sul, de novo, de Porto Alegre eu fui a Buenos Aires, numa outra viagem de ônibus de 24 horas. Quando eu cheguei em Buenos Aires, descobri que eu tinha que pegar um trem para uma cidadezinha no norte da Argentina, chamada Virgem Maria. E foi o que eu fiz. Peguei o trem e fui a Virgem Maria para um mês de encontro, com vários estudantes da América Latina e, naquele mês, que eu conheci René Padillla, Samuel Escobar, entre vários outros estudantes da América Latina e também entre vários palestrantes que estiveram conosco naquele evento. Assim que foi a minha primeira memória de um encontro com o René Padilla foi ali, em Virgem Maria, um mês. Eu tinha 21 anos.
Um mês de convivência, um mês de exposição bíblica, um mês de muitos encontros e muitas conversas. Um mês de muita formação. O que eu aprendi daquele encontro, daquela estada de um mês e, em que medida, René Padilla me influenciou e influenciou a minha vida, naquele contexto e naquele universo. Eu queria destacar três coisas. A primeira delas é um jeito de ler a Bíblia; um jeito de ler a Bíblia.
Com René Padilla, e com outros da América Latina, entre os quais, como naquele encontro, estava Samuel Escobar, eu aprendi que a Bíblia é um livro que fala para qualquer realidade, fala diferentes línguas, fala em diferentes contextos. A Bíblia consegue conversar com a gente e consegue conversar com o nosso contexto.
Eu, naquela época, de fato, estava, por assim dizer, entre duas hermenêuticas, que a gente... para usar uma palavra um pouco mais complicada, duas hermenêuticas, que são dois jeitos de interpretar a Bíblia. Eu sou filho de um movimento pietista alemão e, nesse movimento pietista, a Bíblia é um livro sagrado muito importante e é uma leitura quase que literal, a gente podia dizer, mas a gente nunca faz uma leitura literal da Bíblia, né. Mas, assim, você lê a Bíblia e diz: "olha, isso que a Bíblia diz". Ao mesmo tempo, a outra vertente que eu estava vivendo, era a faculdade de teologia onde eu estava dentro de um universo de uma teologia acadêmica, de uma teologia européia, de uma teologia que tinha muito a marca da teologia do século 20, que foi um período de uma teologia, e já antes disso, muito crítica. A gente falava e aprendia o método histórico-crítico. Nesse método histórico-crítico, você coloca a Bíblia muito sob escrutínio. Então, por um lado você tinha, digamos, um fundamentalismo bíblico e por outro lado um liberalismo bíblico, e eu era muito jovem, dizendo: "mas dentro desse universo, como que eu sobrevivo? Como que eu lhe volto a ler a Bíblia?" E nesse encontro de universitários, juntamente com René, com Samuel e outros eu fui descobrir que tem um jeito muito relevante de ler a Bíblia, com seriedade histórica, com seriedade crítica e com compreensão do texto no seu contexto. Mas, que esse texto no seu contexto, precisa ajudar a gente a entender a Bíblia no seu contexto e no nosso contexto hoje. E essa foi a segunda coisa que eu aprendi: a ler a realidade. A fé cristã não nos nega ver e entender e a escutar a realidade, mas, a fé cristã, ela nos ela nos leva a abrir os olhos, abrir os ouvidos, a perceber o outro, a escutar o outro na sua poesia, no seu canto, no seu drama, na sua vivência. Especialmente escutar o outro a partir das suas perguntas, do seu sofrimento, da sua dor, da sua angústia e essa foi uma das lições fundamentais que eu aprendi naquela primeira convivência com René, com Samuel Escobar e com outros. Ler a realidade, Ler o contexto. E a gente vivia em um universo de ditadura no Brasil e isso fazia com que a nossa leitura de contexto e de realidade fosse muito mais sensível, eu diria mais significativa.
Uma outra última coisa que eu queria citar neste podcast é que, com o René Padilla, eu aprendi um jeito de viver a fé, que foi o jeito de viver a fé com simplicidade, viver a fé com coloquialidade. Ele era uma pessoa que me deu tempo, olhou alguns dos meus primeiros rabiscos; foi um mentor, foi um homem de família, que cuidava muito da sua família da vivência, da vivência dom a Katy, que foi essa primeira esposa dele que a Silêda mencionou. Então, o René Padilla foi um homem simples, foi um homem de família; René Padilha foi um homem de Igreja, que viveu Igreja, e Renê Padilha foi um homem que viveu a fé com muita intensidade dentro do contexto da América Latina, na qual ele caminhou e viajou por milhares de kilômetros e de diferentes contextos. Renê Padilha foi um homem do seu tempo.
Há uma palavra é quando o Paulo fala de Davi que eu queria recuperar para nós. Paulo diz que Davi foi um homem que foi fiel a Deus. Foi um homem que seguiu a Deus, a Palavra de Deus, e foi um homem fiel a Deus na sua geração. René Padilha foi um homem assim e eu aprendi a querer ser assim com ele.
Esse foi o meu primeiro encontro com René Padilha, em Virgem Maria, na Argentina.
Silêda
Eu acho que você aprendeu outra coisa que você não mencionou aí. Esse René, que viajava muito. Eu vou chama-lo de René, como ele era chamado por nós na intimidade. Ele ensinou você a viajar, viajar, viajar... Os dois tinham isso em comum, né.
Essa teologia a serviço, esse impulso para viajar, para enxergar o ambiente, enxergar o contexto. Alias, antes de encontrar o René pela primeira vez, Valdir, eu conheci o René por uma palestra, um documento que eu li logo que entrei na universidade, no Maranhão, em São Luís. Eu cresci e nasci dentro de uma redoma Cristã; uma redoma espiritual ascética, protetora e protegida, e, na igreja, no seminário, uma espiritualidade muito enraizada na Bíblia, e, quando eu entrei na universidade, eu trazia da minha bagagem formativa uma consciência muito clara de que eu era diferente. Como Cristã, eu era diferente, como testemunho de Jesus Cristo, eu devia falar de Jesus Cristo com a consciência de que eu era diferente dos outros. Cristão não se mistura, me ensinaram. Cristão é santo e ser santo é ser separado. E aí, nesse contexto, quando eu comecei a ouvir e conhecer algumas coisas da Aliança Bíblica Universitária, a ABU, eu me deparei com algo escrito pelo René em que ele falava em Evangelho Encarnado. E eu levei um susto! Como é que eu iria evangelizar se eu não podia me misturar, se eu tinha que ser diferente? Acho que essa foi a primeira lição que me marcou, uma das contribuições do René muito importante na minha vida, porque ele disse assim: O Evangelho não é um anúncio, é vida. A fé cristã tem que ser encarnada, diferenciada, vivenciada e integrada nas realidades do cotidiano e do lugar onde se vive. Estar no mundo, dizia ele, sem ser do mundo não é uma chamada para o isolamento, mas, sim, um mandato de obediência, para fora. Jesus nos chamou para ser sal e luz no mundo, para que o mundo veja e creia. A nossa pregação é nosso testemunho de vida, refletido em todas as horas da vida. E isso começou a cozinhar dentro de mim durante o tempo de Universidade. Foi meu desafio para que eu aprendesse a testemunhar, com a minha vida, e que a minha vida fosse a minha pregação. Eu iria aprofundar muito mais isso no ministério estudantil.
Eu saí do Maranhão para São Paulo, movida por um convite para trabalhar com Literatura, que era minha a paixão (a minha formação é letras), e eu fui aprendendo a ser assessora da ABU. Assessor era o obreiro da ABU. Eu conheci René no primeiro encontro em que eu fui responsabilizada pelo curso de férias junto com outro obreiro mais esperimentado e René seria o palestrante. Então eu estava ao mesmo tempo entusiasmada e assustada, porque eu ia conhecer René e eu ia fazer o meu batismo de fogo sob as vistas do "guru". Então, nesse contexto, eu conheci o René.
Tem uma conversa que me marcou, que aconteceu no segundo dia do encontro, eu estava sentada sozinha debaixo de uma árvore processando a minha insegurança e, também, uma frustração. René ia passando com Katy e eles me viram lá, pararam, sentaram na mureta do lado e ele perguntou:"Você parece preocupada. Quer conversar?". E eu falei, eu abrir o coração. Eu falei: "Olha, eu estou me sentindo um fracasso. Uma frustração. Eu não estou conseguindo convencer uma pessoa, que está aqui, de tomar um passo errado e eu me comprometi a demovê-la de fazer isso, mas ela tá muito obstinada, não me ouve". O René, depois de silêncio disse: "Silêda, se você é um Jeremias. Você foi chamada para falar. O papel de um profeta é obedecer. É ser porta-voz de Deus falando, sem omitir o perigo, mas não é responsabilidade sua corrigir o erro do outro. Isso é entre a pessoa e Deus". Essa é a memória que eu trago hoje e, sim, o que ele deixou e o que eu carreguei para vida.
Valdir
Mas a gente tem muito mais histórias, não é. A Silêda nem falou de como René foi importante na própria carreira da vida dela, como revisora, pensadora e hoje como escritora. René foi muito importante.
A gente teve décadas que, às vezes mais de perto, às vezes mais de longe, a gente teve essa oportunidade de ser acompanhado por René. E a última vez que ele esteve na nossa casa, já em Curitiba, René com a sua segunda esposa, Beatriz. Ele tinha 84 anos. Então, entre 1972, quando eu o conheci, e quando ele tinha 84 anos, se passaram décadas e a gente olha para a vida do René como um homem que foi fiel a Deus, no decorre de toda uma caminhada de vida.
Silêda
Mas essa história, que é muito significativa para mim e para nós, Valdir, eu queria contar em outra ocasião aqui no EntreLinhas, porque ela marcou a minha vocação e a história da minha carreira profissional, com o ensino de que o Evangelho Integral, A Missão Integral, exercer com fidelidade o dom que Deus nos de. Esse papel dele comigo, na Literatura. É história para outro dia.
Valdir
É, como eu disse, nossa vida é um tecido, não é, de encontros e roteiros e a gente vai tendo pessoas que vão marcando a nossa vida. Hoje, a nossa homenagem e o nosso tributo ao René e a Katy, aos seus filhos, e a gente mantém esse contato ainda com alguns dos filhos até hoje.
E qual é o jeito que Deus está tecendo a sua vida?
Esse é o nosso convite: para que você se deixe cuidar e tecer é por Deus.
Fique na paz.
Comentarios