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Diário de uma visita à China

DIÁRIO DE UMA VISITA A CHINA

COISAS DE OUTRO MATUTO


10 de junho de 1997


Estou no ar e não sei ao certo que horas são “lá embaixo”. Aqui no avião a equipe está

servindo o café da manhã, o que é decente e razoável no horário brasileiro. Mas quando o avião pousar, em Frankfurt, já irá tarde vai longe. Mas Frankfurt é só numa estação nesta longa viagem de horários confusos e cenários diferentes. Muito diferentes, pois, afinal, estou a caminho da China.


Quase que não deu para viajar. Uma virose forte me botou na cama e a febre teimava em não querer ir embora. Felizmente ela me deu uma trégua, a dois dias da viagem, o que me possibilitou embarcar, mesmo que as pernas ainda estejam meio bambas. E depois, teve o visto de entrada na China, que só chegou no dia da viagem. Um sufoco!


Esta é minha primeira viagem a China. Estou curioso e expectante, até porque vou a caminho de duas experiências. Uma será a de conhecer Beijing, a capital da China. A outra será ir ao interior da China, numa área pobre chamada Ningxia. Vou, portanto, conhecer a China oficial e a China pobre, ter contato com autoridades e com pessoas do interior pobre da China onde a Visão Mundial (VM), a serviço de quem viajo, mantém vários dos seus projetos.


A China fascina pela sua história milenar e sua enraizada e peculiar cultura, cujo valor o Ocidente muitas vezes desconheceu e desconhece, e outras vezes quis e quer ignorar. Mas a China também assusta. Até pelo seu hermetismo e gigantismo. Pela sua negação em se ocidentalizar e se enquadrar nos padrões de uma política ocidental. E, além do mais, na China eu espero ver gente... muita gente.


E a igreja na China? Ela representa a teimosia de Deus. Quando as autoridades chinesas

pensaram que tinham dado cabo dela, como um remanescente do capitalismo ocidental, e quando o mundo exterior, inclusive cristão, já aceitava a ideia de que a igreja tivesse sido dizimada, eis que ela ressurge das cinzas com uma presença surpreendente...e muito maior e mais forte do que se imaginava. Afinal, quem saberá quantos são os cristãos na China de hoje, espalhados e disfarçados em milhares de igrejas caseiras? Serão quarenta, sessenta milhões? Ou mais? O fato é que a igreja na China está a nos testemunhar que Deus cuida do seu povo.


Duas palavras que me foram compartilhadas antes da viagem têm relação com a igreja. Uma delas falava do recrudescimento da perseguição à igreja na China, nos últimos meses. Essa perseguição incluiria, inclusive, a realidade do martírio. E a outra pedia que eu olhasse atrás da cortina. A minha oração é que Deus me dê, no decorrer desta visita, o dom do discernimento.


12 de junho de 1997


Cheguei bem! E, depois de uma longa espera pela mala, encontrei David Tam, um chinês-americano que me esperava no aeroporto. É muito bom ser recebido por alguém quando se chega a um país estranho. Especialmente quando se chega a um local onde não se entende nada e não se pode ler palavra alguma na língua local.


David tem para lá de sessenta anos, mas aparenta menos. Ele tem o dom do serviço e uma capacidade enorme de abrir portas e cuidar de detalhes. Conhecendo-o por vários anos, aprendi a respeitá-lo e admirá-lo. Um desses cristãos que inspira e desafia, pela sua disponibilidade, prontidão e capacidade de serviço.


Uma viagem como esta desmonta a gente por dentro. O meu estômago sempre precisa um tempo maior de adequação. Mais do que o sono, que na primeira noite veio bem e veio logo.


As memórias do meu primeiro dia são várias. As aparências deixam transparecer em todos os lados o “boom” econômico da China. Beijing, essa grande capital do país, é um enorme canteiro de obras. Os contrastes estão em todos os lados. Os pedestres, os ciclistas, os carros e os ônibus convivem em tensão e estão por todos os lados. Enormes prédios recém-concluídos dão testemunho desta grande China que se abre para o capitalismo. Os becos e as ruelas, no entanto, falam dessa China antiga -- pobre, arquitetônica e culturalmente diferente. Uma China que acumula uma história e uma cultura de milhares de anos.


Fui visitar a famosa praça de Tiananmen, onde, em 1989, o governo chinês sufocou o gesto e o grito de liberdade de um milhão de pessoas e matou, no processo repressivo, cerca de mil pessoas, colocando o país, de forma inequívoca, na contramão dos direitos humanos e da liberdade política. Visitei também a Cidade Proibida, construída originalmente em 1420. Um verdadeiro monumento à China antiga. Construído como sede imperial, o enorme complexo é um atestado ao enobrecimento do poder e à fuga da realidade que ele provoca e causa. Definitivamente uma cidade proibida. Proibida de ser construída.


A noite iniciou com um jantar oferecido ao que nós chamaríamos o Ministro do Interior, com o qual a Visão Mundial Internacional mantém os contatos oficiais necessários no objetivo de viabilizar os seus projetos. Do ambiente leve e solto que caracterizou o jantar e dos diferentes e excelentes tipos de comida eu não falo. Mas falo da oração pública com a qual abrimos o jantar. Afinal, uma China comunista tinha muita dificuldade em tolerar orações. Mas a VM adota esta mesma oração como sua política. Na China, não é em todos os lugares onde a VM trabalha que se pode dar testemunho público, verbal e organizado da fé em Jesus Cristo. Mas a VM, em afirmação da sua identidade, convida o Ministro e sua equipe a uma oração de gratidão e intercessão. Pois nós somos cristãos. E isto é público.


Em verdade, no entanto, foram as palavras do Ministro que mais me chamaram a atenção. Não apenas pelo fato de ter reconhecido, em sua saudação, ser ele mesmo um filho de pastor, mas pela sua percepção do trabalho da VM. Por que afinal, alguém se dedicaria aos pobres do interior da China? Segundo a percepção do próprio Ministro, essa dedicação é decorrência da fé. E, em seguida, ele fez referência a uma dessas obreiras, a qual, em função do seu trabalho junto aos pobres, havia adiado o seu casamento por um ano. E isso ela fez, concluiu ele, motivada pela sua fé cristã. Uma bela conclusão, senhor Ministro! Um desafio aos próprios cristãos. Um convite para o serviço que dá testemunho da nossa fé, mesmo em situações de carência e limitação. Eu, confesso, me alegrei por abraçar uma fé que tem em seu círculo gente como essa moça, amante dos pobres. E assim terminou o meu primeiro dia nessa grande China.


14 de junho de 1997


Eu creio que existem diários que não são diários. Pois este é um deles. Hoje, no entanto, registro quatro lembranças do dia de ontem. Como passei grande parte do dia na estrada, a primeira memória é a de grandes distâncias e enormes planícies, algumas em amplo processo de desertificação. Como a China é muito grande, há uma percepção de espaço que marca esse país. E, para tanta gente, é preciso muito espaço. Ao olhar para cá e para lá, a minha percepção é de que o povo chinês é bastante laborioso. Há gente trabalhando em toda parte e sempre parece que alguma coisa está sendo construída. Mesmo naquelas áreas que são obviamente mais pobres.


A segunda lembrança tem a ver com os contatos oficiais e as comidas de pratos sem fim. Como a VM trabalha em estreito contato com as autoridades locais--e outro jeito não haveria--, nós fomos recebidos como uma espécie de hóspedes oficiais. E isto se celebra em torno à mesa, seja em forma de discurso, seja em forma de comida, num processo sem fim de pratos que, devidamente identificados, devem ser experimentados. A comida, degustada, apreciada e conversada, é um valor fundamental na cultura e tradição chinesa. Para nós, ocidentais, acostumados ao prato rápido, o ritual parece consumir um tempo enorme.


A terceira lembrança tem a ver com a falta de água. Aqui no hotel, onde estou hospedado, o meu banho foi de toalha úmida. Eu estava coberto de poeira, mas a cor suja da água e a sua fria temperatura não me imbuíram da coragem que eu precisava para um banho literal. Lá na vila, onde estivemos ontem, a ausência de água parece ser insuportável. Como a chuva só vem entre os meses de julho e setembro, a água aqui é artigo de luxo. Não há rios que abasteçam a área e não há água subterrânea. Ou seja, não há possibilidade de cavar poços. A alternativa é cavar cisternas que acumulam água no período da chuva e, parcimoniosamente, administrá-la até a próxima chuva. A espera me parece assustadoramente longa --e, se a chuva for pouca, a agonia será simplesmente maior. E quando a água acabar, acabou. Acho que eu não consigo entender como dá para viver com tão pouca água em meio a tanta poeira. Pois o que falta de água tem de poeira, neste solo que não é outra coisa senão areia e pó.


E, por último, registro este meu sentimento de que sinto falta de ver igreja. Até parece que ver igrejas construídas dá testemunho da existência dos cristãos, o que não deixa de ser bastante relativo. É, pois, na ausência das torres que eu percebo o quanto sou filho da cristandade, onde nos deparamos com uma torre de igreja a cada esquina. Aqui, o máximo que vejo são mesquitas espalhadas aqui e acolá. Esta é, afinal, uma área de influência muçulmana. Aqui, portanto, as pessoas são, ou muçulmanas, ou comunistas. Uma vez constatado este panorama, eu sinto, verdadeiramente, falta da igreja. Daquela igreja que nasce como fruto da missão. O que falta, pois, nesta área da China, é a igreja em missão.


15 de junho de 1997


Hoje é domingo, e daqui a pouco o meu quarto de hotel se transformará em casa de Deus. Enquanto me preparo para esse momento, penso na minha casa, em Curitiba. Quando acontece eu estar em casa no final de semana, às vezes não me dá vontade de ir à igreja. Uma semana de retiro aqui e outro ali me dá sede de descanso, reclusão e quietude. Mas hoje, neste domingo, eu tenho sede de cultuar a Deus na igreja. De estar com outros irmãos e irmãs. Mas hoje eu não tenho aonde ir, a não ser esperar por esse pequeno grupo que, daqui a pouco, virá ao meu quarto. Pois aqui, neste lugar de influência muçulmana, não há nem igreja, nem um grupo de cristãos, me disseram Ernest e Elza.


Este culto que celebramos se constitui para mim numa espécie de agonia e saudade. Agonia por estar num lugar onde não há nem igreja e nem irmão. E saudade de um amanhã onde será possível cultuar a Deus neste lugar, na língua nativa e com gente local. Mais do que tudo, porém, este é um culto a Deus que celebramos com e para a Elza e o Ernest. Um culto de oração para que Deus os sustente e lhes permita ser sal e luz nesta árida terra sem a luz do evangelho.


O grupo que se reunirá em culto será estrangeiro. Um grupo a orar em terra estranha. Serão dois neozelandeses, dois australianos, dois canadenses e três chineses de Hong Kong, entre os quais Ernest (finanças econômicas) e Elza (comunicação, jornalista); eu, brasileiro, e o David, nascido na China e naturalizado americano. Todos viemos de contextos onde no domingo pela manhã é possível escolher a hora e a igreja onde se quer cultuar a Deus.


Transformar o meu quarto de hotel em casa de oração e dirigir um momento informal de culto é fácil. Ernest e Elza, no entanto, ficarão por aqui, a trabalhar com os pobres e com as crianças. Eles são os obreiros da Visão Mundial que estão vivendo nesta área. É por eles que oramos nessa manhã. Para que eles sinalizem a luz de Cristo neste lugar, como tantos já o fizeram em outros tempos e lugares no decorrer da história. Que lhes seja dada a graça e a força de fertilizarem, com as suas vidas, esta terra seca e carente da água literal, bem como da viva água do evangelho. Que Deus os abençoe, Ernest e Elza.


16 de junho de 1997


Bom dia! Estou novamente no ar, de volta a Beijing e rumo a Hong Kong. A memória do dia de ontem ainda ressoa dentro de mim. Uma ressonância de gratidão e perplexidade.


O culto no quarto de hotel foi comovente. Tanto pelo sentido da presença de Deus como da nossa própria carência. Eu havia discernido no meu coração que esse culto não faria sentido a não ser que ele fosse um culto com e ao redor do Ernest e da Elza. E foi o que aconteceu. Quando pedi que eles compartilhassem algo da sua história, foi tão emocionante ouvir do seu desejo de servir a Deus e ao povo chinês. O Ernest disse, literalmente, que havendo nascido em Beijing e tendo mudado para Hong Kong ainda criança, ele sentia que aquele era o seu povo, a quem queria ajudar em sua real expressão de pobreza. E, por isso, estando em GuYan ele estava no lugar certo.


Ao mesmo tempo, no entanto, eles sentiam fragilidade e solidão. Fragilidade quanto à fé e solidão quanto à ausência de comunhão espiritual/vital. O meu coração sangrou por eles e, impondo as mãos sobre os dois, invocamos as palavras de Paulo, quando a caminho de Jerusalém se despede dos irmãos em meio a abraços.


Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua

graça, que tem poder para vos edificar e dar herança

entre todos os que são santificados. (At 20.32)


E ali, no quarto do hotel, cantamos:


Pai, eu te adoro.

minha vida te entrego,

como eu te amo.


Jesus, eu te adoro,

minha vida te entrego,

como eu te amo.


Espírito, eu te adoro,

minha vida te entrego,

como eu te amo.


Na noite do mesmo dia eu tive o privilégio de conversar por mais de duas horas com Ernest e Elza, compartilhando das suas oportunidades e conflitos. Das suas possibilidades e da sua solidão. Afinal, Deus estava lhes dando uma oportunidade singular de se deixarem desafiar e de plantar, naquela terra seca, a semente do evangelho. E, como acontece com todos nós, essa plantação está cercada da nossa fragilidade e, por vezes, é regada com as nossas lágrimas. Mas, ao final do dia, nos sabemos amados e guardados pelo Senhor da seara. E foi assim que nos despedimos naquela noite com uma oração intercessória de entrega nas mãos de Deus.


Eu olho para o Ernest, com os seus 30 anos e sua formação na área de finanças, e para a Elza, com seus 26 anos e sua formação na área de comunicação, e me comovo com o risco e a oportunidade que está diante deles: servir aos pobres, em nome de Jesus, em meio a comunidades senão muçulmanas, então comunistas. A história está marcada por pessoas assim como Ernest e Elza. Pessoas simples e frágeis, relutantes mas dedicadas. Pessoas que dizem não a oportunidades que, em Hong Kong, poderiam ser muito mais cômodas e promissoras, e mergulham na solidão do interior da China, onde convivem com muita pobreza e tantas necessidades e precisam ir dormir, quem saber pelo quinto dia, sem tomar banho, porque simplesmente não há água. Deus, como sabemos, escreve a sua história em casas de barro. Graças a Deus pela vida de pessoas como Ernest e Elza que se dispuseram a serem trabalhados por Deus.


No almoço, para variar, fomos recepcionados por mais outra autoridade política. O que me chamou a atenção foi quantas vezes, durante o almoço, o nosso hospedeiro invocou a sua identidade muçulmana. Ele nos autorizou a proferir a nossa oração (que, em inglês, ele não entendeu). Nós deixamos claro que éramos cristãos e ele deixou claro que era muçulmano. E assim trabalhamos juntos. Aliás, se a Visão Mundial quiser, em nome de Jesus, estabelecer um testemunho nesta área, terá de ser em meio a esta tensão, que será sempre difícil e, muitas vezes, extremamente complicada. Mas não é exatamente em lugares assim que a igreja é chamada a ser mensageira do evangelho de Jesus Cristo? Mas que o lugar é apertado e difícil, isso é inegável.


17 de junho de 1997


Hong Kong é realmente muito diferente: uma superlotada cidade de primeiro mundo. Rica e capitalista. Um canteiro de obras num dos lugares de mais acentuada exploração imobiliária do mundo. Em Hong Kong o futuro já chegou. Ademais, em Hong Kong se volta a ver igreja. No hotel da Associação Cristã de Moças, onde estou hospedado, há uma Bíblia na gaveta, toca-se música cristã e há sobre a mesa um convite para o devocional da semana.


Aliás, hoje, tentando nos comunicar com o motorista de táxi, descobrimos que ele era cristão. Foi ele que nos deu um folheto cristão em inglês -- aliás, língua que ele não falava. No caminho, no entanto, e em meio a gestos entrecortados por palavras pronunciadas num “inglês-chinês”, ele nos mostrou a sua igreja e quando chegamos ao hotel não houve jeito de pagarmos a corrida. Ele, feliz, se identificou conosco como cristão. Foi corrida de graça... coisa de irmão.


Pois é, esta é Hong Kong, capitalista e “livre”, que, em poucos dias se entregará à China

comunista. Que enorme oportunidade para os cristãos de Hong Kong! Oportunidade de se associar aos cristãos da China no objetivo de evangelização de toda a China. É claro que há temores quanto a esta integração, e não se sabe ao certo o que a poderosa China fará quanto às liberdades civis e democráticas da população de Hong Kong. A igreja deve estar atenta no que se refere ao zelo pela liberdade. Mas essa mesma igreja, que no decorrer da história aprendeu a se movimentar e sobreviver em meio aos mais variados regimes e sistemas políticos, é convidada a encarar este novo momento como um desafio à fidelidade e a missão, na oração de que o Deus que abre portas lhe abra as portas da China para a comunhão entre o povo de Deus e para a missão entre os que nunca aprenderam a soletrar o nome de Jesus.


19 de junho de 1997


O avião acaba sendo um bom lugar para escrever. De volta ao Brasil, digo adeus a essa

intimidadora e fantástica Hong Kong. A cidade intimida pela sua agressividade vertical, com prédios enormes por todos os lados, pelo seu custo de vida, pelo seu crescimento econômico e demográfico, bem como pelo seu capitalismo sem trégua. Em Hong Kong tudo é uma questão de dinheiro. E, por tudo isso, ela acaba sendo, também, uma cidade fantástica. Afinal Hong Kong mudou e cresceu enormemente no prazo de umas poucas décadas, e dá hoje um passo ansioso e corajoso para a integração na enorme e enigmática China continental. Para muitos, no entanto, esse passo nada mais é do que uma volta para casa.


O clima da transição é tranquilo. Ontem tivemos uma rápida audiência com Tung Chee-Hwa, escolhido pelo governo chinês como o primeiro governador pós-transição. Tranquilo, ele nos falava, é óbvio, de uma transição tranqüila e da expectativa de um contínuo desenvolvimento econômico. À noite, em jantar de muitos pratos, ouvimos a Sra. Rosana YM Wang falar das expectativas da transição. Como uma das poucas mulheres a integrar o novo governo de Hong Kong, e a única que, proveniente do antigo Conselho Executivo de Hong Kong, comporá também a nova assembléia legislativa, Rosana olha o futuro com esperança. Em seu tom otimista ela não deixa de invocar, como cristã que é, a bênção de Deus sobre Hong Kong e a China. A oração que formulo é que pessoas como Rosana possam ser intrumentalizadas por Deus para que a velha e comunista China venha a experimentar um encontro transformador com este Deus de todas as nações, ansioso por abençoar e ser reconhecido e adorado também na China.


Eu volto da China enriquecido e encafifado. Certamente ouvir-se-á falar muito da China à medida que caminhamos rumo ao século XXI. O seu potencial de crescimento econômico é enorme. A sua segurança quanto à afirmação da sua história e identidade é tranquila. A auto-consciência da sua grandeza é assustadora e o seu processo de apropriação controlada do Ocidente, especialmente na área econômica, é gerenciado com seletivo cuidado. A China, afinal, não quer ser ocidental. Ela quer e precisa ser chinesa. Em consequência, ela não quer ser ocidentalmente democrática, politicamente aberta e liberadamente livre. Eu chamaria isso de ambiguidade. Ela, por vez, talvez diria que é indispensável o controle.


Eu volto da China com um gostinho de insatisfação na boca. Afinal, eu não cheguei a conhecer a igreja na China, já que isso a minha viagem estava demasiadamente vinculada ao contato com autoridades chinesas e visita a projetos da VM. Ademais, a área que visitei na China é de influência muçulmana. Em Hong Kong, é claro, o meu contato com cristãos foi livre e aberto. Mas Hong Kong é outra coisa.


Os contatos e conversas que tive me fazem concluir que há hoje, na China, uma abertura cuidadosa e controlada para o evangelho. Há espaço para a igreja crescer, tanto na sua expressão oficial como na sua expressão caseira. A tendência oficial é e será a de registrar e enquadrar essa versão caseira da igreja, o que certamente provoca a resistência e o nervosismo da igreja oficial. Afinal, o governo chinês não gosta e dificilmente tolera que as coisas lhe escapem ao controle. Mas eles não sabem que a igreja de Jesus Cristo eles não conseguirão controlar. Afinal, essa igreja responde a outro Senhor.


Termino esta viagem e este diário com uma oração. Uma oração que caminha em dois sentidos. Que Deus conceda à igreja na China o discernimento para ser fiel na averiguação criativa e agressiva das portas abertas e das portas fechadas. Que Deus livre a igreja, tanto da perseguição e do controle oficial como do encontro com uma abertura econômica que produz nada mais e nada menos do que um capitalismo selvagem, excludente e segregacionista.


Por outro lado, a minha oração é que a igreja na China seja chinesa. E que nesse exercício da encarnação da fé a igreja universal seja enriquecida e desafiada a desvincular a expressão facial da igreja do Ocidente. Pois a igreja precisa, em sua universalidade, ser local em cada local. Avaliando o ministério da Visão Mundial na área visitada, eu disse ser minha convicção que, ao final desse trabalho/ministério naquelas áreas pobres que visitamos, as pessoas locais viessem a dizer “Jesus esteve aqui”. Este é o desejo da nossa vocação e do nosso testemunho cristão e este é, assim eu o creio, o desejo de Deus: ter na China uma igreja que tem a cara de Jesus.

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