Ao focar na palavra equilíbrio, destacada por John Stott como sendo uma das características fundamentais do discípulo radical, eu tive duas reações imediatas: verificar a raiz dessa palavra no dicionário (amo etimologia!) e, simultaneamente, revivi uma memória, a descoberta de uma raiz jamais suspeitada.
Segundo Houaiss, a palavra equilíbrio vem do latim aequus (igual) e libra (balança), significando “nível igual das balanças”. E o Michaellis o descreve como “estado de um corpo que se mantém sem se inclinar para nenhum dos lados”. Lembrei daquelas balanças antigas, quando se ficava experimentando vários pesos até que o ponteiro parasse na vertical.
Não seria justamente isso que o autor está dizendo quando fala da importância do equilíbrio na vida cristã? Ele diz que nós:
“somos chamados tanto para o discipulado individual quanto para a comunhão corporativa... tanto para adorar quanto para trabalhar... tanto para a peregrinação quanto para a cidadania”.
“Estamos no mundo mas não somos do mundo” não é uma justificativa para nos isolarmos da realidade que nos cerca. É, sim, uma convocação para vivenciarmos a nossa fé conscientes de que fomos chamados para fazer diferença no mundo. Nós somos cidadãos dos dois reinos. Se a nossa identidade estiver arraigada e firmada em Cristo, isto se refletirá na nossa vida comunitária e revelará de onde vem a seiva que alimenta o nosso testemunho como cidadãos no mundo. Caso contrário, como disse Jesus na Parábola do Semeador, a semente não germinará, porque não tinha raiz.
Em seu livro O Céu Começa em Você, Anselm Grün, refletindo sobre espiritualidade em meio aos desafios da vida monástica, adverte:
“Não há vida espiritual sem que haja também um estilo de vida saudável (...) uma saudável alternância entre oração e trabalho, entre vigília e sono, entre refeição e jejum, entre solidão e convivência.”
Equilíbrio é uma disciplina que requer atentividade e cultivo constante. Seja na vida cotidiana, no discipulado individual ou na comunhão corporativa, como diz Stott, não é fácil manter todas as áreas equilibradas, “sem se inclinar para nenhum dos lados”. Muitas vezes é preciso fazer escolhas custosas. Diz o autor de O Discípulo Radical:
“Geralmente evitamos o discipulado radical sendo seletivos: escolhemos as áreas nas quais o compromisso nos convém e ficamos distantes daquelas nas quais o nosso envolvimento nos custará muito. Porém, por Jesus ser o Senhor, não temos o direito de escolher as áreas nas quais nos submetemos à sua autoridade.”
Mas... Não foi o próprio Jesus que falou que para segui-lo é preciso fazer escolhas? Não foi isso que ele disse a Marta (Lc 10:38-42), que “Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada”? Afinal, podemos ou não ser seletivos? Temos ou não o direito de escolher? Aliás, o que teria escolher a ver com equilíbrio?
O fato é que há escolhas cruciais que devemos fazer se quisermos ser seguidores radicais de Jesus. No discipulado cristão, o segredo não está nas nossas escolhas mas naquele a quem escolhemos seguir. O equilíbrio resulta da nossa obediência e submissão a Jesus Cristo, o Senhor que nos chamou. ELE é o fiel da balança!
... e a memória? A descoberta?
Eu já era adulta e quase mãe quando, numa jornada de terapia com jovens líderes cristãos, o psicólogo me perguntou de supetão: “Você anda de bicicleta?” Tomada de surpresa, eu confessei que, desde criança, nunca conseguira me equilibrar numa bicicleta. “E brincar de balanço?” Ainda mais encabulada, eu contei da minha outra limitação: toda vez que me embalavam numa rede ou num balanço eu ficava tonta. “Você dirige?” Essa conversa intrigante culminou na palavra raiz – onde estaria a raiz da minha insegurança? – e me ajudaria a tomar decisões significativas no decorrer da vida.
Anos mais tarde, ao buscar orientação médica quanto à tontura que me acometia sempre que pegava o volante, eu descobri que tinha um problema de equilíbrio e teria de fazer uma escolha: ou medicação sempre que fosse dirigir, ou desistir da direção. Depois de uma parada paliativa, decidi recomeçar do zero. Entrei numa autoescola e pedi um instrutor que me desse aulas como se eu nunca tivesse dirigido antes. Um dia, depois de várias voltas por estradas tranquilas nos arredores da cidade, ele me fez dirigir no meio do trânsito, na hora do rush. Então me disse: “O seu problema não é a direção, mas o foco. Você dirige muito bem enquanto está sozinha e despreocupada. Mas quando começa a prestar atenção no trânsito e tenta adaptar-se aos outros carros, você fica insegura e perde o foco.”
Que você e eu nunca percamos o “fiel da balança”:
... corramos com perseverança a corrida que nos está proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé. (Hebreus 12:1-2)
Publicado originalmente no Portal Ultimato.
Comments