Disse Deus: Este é o sinal da minha aliança
que faço entre mim e vós, e entre todos os
seres viventes que estão convosco, para
perpétuas gerações. (Gn 9.12)
Ao longe, à minha frente, o céu escuro me dizia que a chuva se armava com vigor. Era céu com pinta de trovoada. Mas o panorama não era uniforme. Em meio às nuvens escuras, um pedaço de céu azul teimava em enfeitar o horizonte. Do outro lado, às minhas costas, o céu era azul, o sol brilhava e as montanhas, ao longe, nos saudavam com exuberância. Uma mistura de cenários. Uma confusa imponência. Eu estava no Equador.
O Equador é assim. Um país marcado por uma harmonia que nasce do encontro dos contrastes. Uma exuberância cativante. O vulcão desativado dá testemunho da força e da imprevisibilidade da natureza. Mas este mesmo vulcão, coberto de neve, compartilha da providência e da formosura da natureza.
Terremoto e frio
Saindo de Quito, que é a capital do país, eu tinha ido visitar umas comunidades indígenas com as quais a Visão Mundial, organização com que estou vinculado, tem uma relação de serviço e ministério. A primeira das comunidades que visitei fica numa das muitas montanhas onde o céu parece tão claro e o frio agudo não deixa ninguém esquecer que se está a mais de três mil metros de altura.
A imagem da comunidade Juagui, que eu visitava, era de tristeza e de uma teimosa luta pela sobrevivência. Afinal, ela ainda estava se recuperando dos efeitos de um terremoto que, mesmo não tendo ganho as manchetes da imprensa internacional, havia sido devastador. Várias famílias ainda estavam alojadas em barracas, temerariamente desprotegidas do frio. As suas casas haviam sido destruídas pelo terremoto e as novas casinhas ainda não estavam de pé. O assunto base da nossa conversa com a comunidade foi o projeto de reconstrução das casas, no qual toda a comunidade estava envolvida, como os meus próprios olhos o testemunharam.
O sinal no horizonte
Lá estava ele a questionar o tom ameaçador das negras nuvens. Suas cores a recolorir e reinterpretar o cenário. Era o arco-íris um sinal no horizonte.
Foi ao entardecer do outro dia, visitada a comunidade e viajando de volta a Quito, que os meus olhos viram aquele enorme arco-íris a rasgar e enfeitar o céu escuro e carregado de negras nuvens pronunciando uma forte chuva. De fato, eram dois os arcos-íris. Um deles extenso e de cores fortes, destacava-se com notoriedade. O outro, suave e delicado a desaparecer por entre as nuvens, falava de uma nova aurora. A beleza presente nos contrastes. O anúncio da chuva sendo questionado pela promessa de um novo tempo. O arco-íris prognosticando que o céu escuro não tem a última palavra. O sol voltaria a brilhar e o horizonte, com as suas montanhas verdes, voltaria a estar presente diante dos olhos de transuentes como nós que, no entardecer do dia, rumávamos a Quito.
O cenário da esperança!
Os arcos-íris que visualizei no entardecer daquele dia trouxeram a minha memória dois cenarios. O primeiro deles tem relação com a própria promessa de Deus que está embutida no arco-íris e nas suas cores exuberantes. Eu confesso que não me preocupei, em absoluto, em tentar cientificamente explicar a lógica da presença daqueles arco-íris nos céus do Equador. O que me alimentou naquele entardecer foi a memória da própria palavra de Deus: "Porei nas nuvens o meu arco; será por sinal da aliança entre mim e a terra" (Gn 9.13). O arco-íris não é simplesmente uma promessa de tempo bom. Ele é a promessa do não-abandono de Deus em relação a sua própria criação.
No testemunho bíblico ele emerge depois da experiência do dilúvio. Representa não apenas a evidência do juízo de Deus mas também uma espécie de gemido divino. Em linguagem poética se poderia dizer que o dilúvio são as lágrimas de um Deus que chora o desvio da sua própria criação. A insistência humana em voltar as costas para Deus e, cultivando a maldade, destruir a própria vida. O dilúvio aponta para o ápice da maldade humana e da dureza do seu coração.
Mas, como acontece também em outros instantes do testemunho bíblico, é da devastidão da cena pós-dilúvio que emerge a esperança: o sinal de um novo começo. E este sinal só pode brotar do coração de Deus. É só ele que tem essa divina capacidade de radicalmente possibilitar o recomeço. No quadro pós-dilúvio o autor bíblico nos mostra um Deus comovido com o compromisso de apostar na raça humana apesar de tudo. E Deus estende a Noé e a sua família aquela bênção com a qual ele havia marcado a sua criação na hora primeira: "Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra" (Gn 9.1).
Indo ainda um passo além, Deus estabelece com a descendência humana, retratada na família de Noé, uma aliança que não deixa de ser profundamente unilateral. Esta acaba sendo uma espécie de aliança de Deus para com Deus. Pois ele, afinal, decide que nunca mais destruirá a terra como o fez com o dilúvio. E põe no céu o arco para que, quando o vir, se lembre do seu próprio compromisso com a vida humana e com toda a sua criação: "Sucederá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, e nelas aparecer o arco, então me lembrarei da minha aliança, firmada entre mim e vós e todos os seres viventes de toda carne; e as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda carne." (Gn 9.15)
O arco-íris nas nuvens é, pois, sinal de esperança. Sinal de que é preciso não desistir. De que a possibilidade de um novo dia nasce da própria impossibilidade do dia de hoje. É depois da trovoada que o céu azul volta a se constituir no palco onde o sol voltará a brilhar. O arco-íris é sinal da teimosa presença de Deus entre nós. Sem esta presença tudo que resta é o dilúvio. Ou talvez o terremoto. Para a comunidade indígena que eu havia visitado, o arco-íris vem a ser, então, sinal de promessa que se transforma em coragem para reconstruir a casa e a propria vida. E foi este o outro quadro que me consolou no entardecer daquele dia em que eu voltava a Quito.
Enquanto caminhava por entre os escombros das casas destruídas pelo terremoto, eu pensava na minha própria casa e na minha possível reação diante do fato de que esta tivesse desmoronado em questão de uns poucos segundos. Que desgraçado sentimento de perda! Que vazio no estômago! Que desânimo tão profundo! E lá no fundo da minha alma eu me perguntava como seria possível para estas pobres comunidades, escondidas nas montanhas do Equador, encontrar forçar para reconstruir a vida e seguir adiante . . . rumo ao futuro. Ao redor deles, afinal, tudo parecia tão devastado. E os recursos da reconstrução pareciam tão longe. Pois foi o arco-íris que me ajudou a encontrar o caminho do consolo e da resposta. Enquanto o arco-íris enfeita as negras nuvens da nossa experiência de vida, individual e coletiva, não há nenhuma vivência humana que não possa se transformar em palco de esperança. Enquanto o arco-íris está no horizonte há esperança para todos nós. Esperança que nasce e se alimenta da promessa de Deus. Esperança que se sobrepõe ao céu escuro e ameaçador, com as cores vivas de um novo dia e um novo tempo. Tempo de arco-íris. E então, do fundo da minha alma eu agradeci a Deus pelos tantos arcos-íris com os quais ele tem cercado e sinalizado a nossa vida. Arco-íris que se compartilha pela mão estendida da ajuda e do compromisso com o que sofre. Para que a comunidade de Juagui abraçasse o desafio de reconstruir as suas vidas e casas, era fundamental que outros, pessoas e instituições, partilhassem com eles do esforço e da oportunidade de transformar a possibilidade da esperança numa experiência de retomada de vida.
Onde nasce o arco-íris?
Quando criança, a gente pensa que o arco-íris "começa lá em baixo" e tem vontade de sair ao encontro do seu nascedouro. Aliás, a lenda em torno ao arco-íris diz que no final do mesmo há um pote de ouro. Eu diria que no início e no final do arco-íris estão as mãos de Deus a sinalizar esperança para aqueles tantos que têm sido abalados pelos terremotos literais e simbólicos dos nossos dias. Na língua ketchua, que se fala nas montanhas do Equador, se diria PACHACUTIK, que quer dizer esperança de novas coisas, de um novo país. Em linguagem do Novo Testamento se diria que o arco-íris nasce em Belém e se põe no Gólgota. O seu nome é Jesus Cristo.
É um milagre que o sol há muito
já não tenha ficado preto
como carvão (M. Lutero)
- Publicado originalmente na Revista Ultimato.
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