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O Brasil que crê. A fé que transforma

Diálogos de Esperança discute o poder da fé na nação brasileira


“No princípio criou Deus o ser humano e lhe deu um coração que está inquieto até que encontre a paz em Deus”. (Santo Agostinho)


Quase nove em cada dez brasileiros dizem acreditar em Deus, segundo a pesquisa Global Religion 2023, produzida pelo Instituto Ipsos. Isso coloca o Brasil, junto com a África do Sul, no topo do ranking de 26 países pesquisados pelo Ipsos, com base em uma plataforma online de monitoramento que coleta informações sobre o comportamento destas populações. Ou seja, o Brasil é um país de pessoas que creem.

Essa constatação foi o assunto da live do Diálogos de Esperança realizada nessa terça-feira, dia 20 de junho, com o tema “Brasil: o país mais ‘crente’ do mundo”. Os âncoras Claudia Moreira e Valdir Steuernagel conversaram com a escritora Débora Otoni e o teólogo Ricardo Bitun sobre o que significa para nós, de uma caminhada de fé evangélica, viver em um país que crê em Deus.


Fé trazida pelos colonizadores

Débora e Bitun lembraram que a fé cristã foi trazida pelos colonizadores da Península Ibérica e isso, de certa forma, moldou a construção religiosa do país. Ao mesmo tempo, Débora ressaltou que somos uma nação peculiar, pois temos muita diversidade e gostamos de “sentir” Deus, ou seja, de viver experiências sensoriais e místicas. Bitun ressalta que o perfil do colonizador foi o português mestiço e aventureiro, não o espanhol mais racional, e assim tratou a vinda como uma aventura.


Crescimento das igrejas evangélicas

Esse país de fé também tem parte do seu cenário religioso influenciado pela multiplicação das igrejas evangélicas¹. Qual o impacto disso? Débora critica as pessoas que apenas buscam alívio nos templos, sem se submeterem à transformação que a fé em Deus provoca. “Quando experimentamos a ‘água da vida’, nos tornamos ‘fonte’ também para os outros. Eu aprendi com meu pai, que é pastor, que a igreja está no lugar do serviço, de encontrar as necessidades da cidade. Ela não está aqui apenas para receber, mas sim para dar. Eu não consigo viver a minha crença sem sujar as mãos, sem ajudar o outro. A igreja saudável faz o indivíduo amadurecer e ser mais servo e sensível aos outros”.


Racionalidade contra a fé?

Ao contrário do previu o sociólogo Max Weber no início do século 20, a racionalidade não exterminou a fé em Deus. Bitun destacou que o estudioso falava sobre o paradigma da secularização. “Weber dizia que com o avanço da ciência, mais Estado e menos Monarquia, a religião não seria mais o centro orientador da vida e tenderia a desaparecer ou a se secularizar, ou seja, seria conduzida à margem da sociedade. Só que não foi bem isso que aconteceu, porque a religião voltou como um fenômeno em todo o mundo. A verdade é que, inclusive com Weber, houve uma angústia a respeito da modernidade racional, permanecendo um anseio pelo transcendente. Como disse Agostinho, ‘há um espaço no coração do homem que só pode ser preenchido por Deus’”.


A fé das mulheres brasileiras

Responsável por dois livros² que recontam as histórias das mulheres da Bíblia, Débora disse que aprendeu a abandonar estereótipos das mulheres que creem. “Deus não é machista. Ele criou as mulheres. Elas estão de capa a capa na Bíblia. Organizando e escrevendo esses livros, eu aprendi a olhar de novo para as personagens bíblicas e a enxergar cada uma delas com outros ângulos, sem o estereótipo que fazemos das mulheres crentes brasileiras. Aprendi que precisamos enxergar o entorno e os contornos das pessoas. As histórias diversas das mulheres me ajudaram a entender a multiforme graça de Deus derramada em nosso meio”, afirma Débora.


Fé que clama por justiça

Bitun rememorou a parábola contada por Jesus sobre uma viúva que insiste que um juíz iníquo faça justiça (Lc 18.8). Na explicação dessa história, Jesus pergunta: “quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?”. Para Bitun, essa fé mencionada por Cristo é uma fé que clama por justiça.

“A gente costuma ligar a fé à religiosidade, mas se lermos esse texto com bastante atenção, veremos que Jesus está falando sobre a necessidade de oração, de perseverar. Diante de um juiz iníquo, a viúva insiste em favor de sua causa justa. A fé nos impulsiona a fim de que a justiça divina prevaleça. Jesus ensina que os seus filhos deveriam perseverar e insistir com os juízes iníquos para que na terra houvesse justiça para que então o reino se manifestasse”.


Fé com lábios ou com o coração?

A pesquisa do Instituto Ipsos informa que “a fé está na boca dos brasileiros”, mas Bitun se questiona: está apenas na boca ou está no coração? “Eu me lembrei do texto de Mateus 15.8-9: ‘vocês me ouvem com os lábios, mas o seu coração está longe’. Como eu posso saber isso? Porque a justiça não está sendo concretizada, manifesta, reivindicada e clamada pelos filhos de Deus”.

Valdir ressaltou que “não basta ter uma religiosidade, mas essa religiosidade precisa ter uma expressividade na construção de cidadania”.

Bitun lembrou mais uma vez a colonização portuguesa para explicar esse descompasso entre a expressão religiosa e o testemunho para além dos templos.

“O catolicismo popular trazido pelos portugueses, de certa forma, intensificou essa religiosidade medieval, com a grande catedral e o fosso entre clero e laicato. O encontro com a religiosidade do indígena nativo e, depois, do negro escravizado pelos senhores dos engenhos, vai misturando tudo em um grande caldeirão e compondo uma matriz religiosa brasileira na qual a fé não extrapola as paredes e os muros da igreja e não chega até às pessoas e ao pobre. Pelo contrário, essa matriz religiosa brasileira reproduz um sistema de injustiça. Mesmo as missões protestantes também reproduziram modelos europeus e norte-americanos. No entanto, o Evangelho vem com essa força do poder do Espírito Santo e com a vida dos seguidores de Jesus para transformar, dizendo: ‘há um outro reino, uma outra maneira de viver, uma outra forma de ser cristão ou de abraçar uma fé’. Temos um crescimento religioso, mas não preocupado com a transformação da sociedade”, afirma.

Se o Brasil crê em Deus, então, por que o país é tão violento, por que não melhora sua conduta e sua moral? “Acho que tudo se resume ao coração. É um problema de coração. A fé precisa atingir e mudar o coração. Se não mudar o coração, não haverá mudanças no comportamento e a forma como a pessoa enxerga o mundo, o outro. Devemos deixar o nosso coração ser tocado por Cristo para que sejamos realmente transformados e então tenhamos disposição de sermos melhores moralmente ou na sensibilidade com o outro. Para que haja unidade entre os cristãos, a igreja precisa ser menos instituição e mais comunidade”, defende Débora.

Bitun enfatiza que a obra de Cristo já derrubou os “muros da separação”, conforme Efésios 2.14, e agora cabe a nós obedecermos a esses princípios estabelecidos por Cristo. “A obediência vem com conhecer e amar a Deus”.


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Live na íntegra

Ouça, na íntegra, a live “Brasil: o país mais ‘crente’ do mundo” AQUI.

Próxima live

A próxima live do Diálogos de Esperança acontecerá no dia 04 de julho e terá como tema “A Inteligência Artificial e a Fé Cristã: qual o Impacto?”.

Playlist do Diálogos de Esperança Assista a todas as lives já realizadas aqui.


Notas:

1. De acordo com o estudo “Surgimento, trajetória e expansão das Igrejas Evangélicas no território brasileiro ao longo do último século (1920-2019)”, do Centro de Estudos da Metrópole, da USP, entre 1970 e 1990, o número de templos evangélicos cresceu mais de 16 vezes, passando de 1.049 para 17.033.

2. Débora é criadora e autora dos livros “Eva a Ester” (2020) e “De Maria até nós” (2022) ambos pela Thomas Nelson Brasil.

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