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Foto do escritorValdir Steuernagel

Nínive ou Társis? A escolha não é nossa!

Reavaliando o espaço da nossa vocação


Jonas, o profeta, devia ir a Nínive. Mas ele se enfiou no navio para Társis. Depois de muitas "curvas", no entanto, acabou em Nínive. Mas esta é uma história absolutamente conhecida. Ela é tão forte no imaginário e tão intensa nos seus componentes que não consegue envelhecer. Uma eterna candidata a "história best-seller" nas classes da Escola Dominical. Às vezes ela já faz sucesso na própria creche. (Devia ter entre quatro e cinco anos aquela menina que, tropeçando em imagens e vocábulos, me contou, entusiasmada, a história deste Jonas que foi engolido e vomitado por este enorme peixe. Adrenalina pura!).


Vamos, pois, trazer à memória alguns dos componentes desta velha história jovem. Jonas é um profeta renitente a brigar com uma vocação definitiva. Nínive, grande e ameaçadora capital. Detestável lugar de missão. Lugar de impossível conversão. Um lugar aonde não se vai... quando a possibilidade de escolha é nossa.


Mas Nínive está diante de Jonas como aquele bichinho "teimoso" que teima em ficar de pé por mas que se o deite.


Nínive é o lugar que Deus escolhe para si mesmo. Uma escolha contra os índices, estatísticas e análises. O livro de Jonas a descreve com o binômio "violência" e "maldade". O profeta Naum anuncia a sua queda em termos de retaliação e caracteriza a cidade de forma pouco recomendável: violência e extorsão em tempo de guerra, prostituição, baixaria, exploração comercial (Naum 1.11; 2.12-13; 3.1,19). Pois é para Nínive que Deus envia a Jonas. Deus é mesmo muito estranho!


Mas Jonas decide ir a Társis. Afinal, Társis também precisa de profeta. E profeta experiente, como Jonas parece ter sido, precisa ter algum espaço decisório para determinar as prioridades na agenda.


Társis é o Eldorado. No imaginário bíblico é um lugar de difícil identificação. No Antigo Testamento ela aparece como um lugar distante e vago. É o mundo do além-mar, onde há grande comércio e muita riqueza. O Eldorado. É para Társis que Jonas compra passagem. É a experiência da autovocação como espaço de fuga.


No nosso jeito costumeiro de ler o livro de Jonas, o profeta quase sempre sai apanhando, não é verdade? Ele é o vilão da história. Como Judas em Sábado de Aleluia, o Jonas sai espancado do nosso exercício hermenêutico; e nós, sacudindo o pó de nossas mãos, vamos aliviados para casa. Porque, afinal de contas, nós somos os "crentes direitinhos" a caminho de Nínive.


Ilusão de fariseu! É preciso dizê-lo com todas as letras! Eu sou Jonas! Você é Jonas! Esta crescente igreja evangélica é Jonas. Nós não gostamos de Nínive. Nós não queremos ir a Nínive. Nós queremos mesmo é ir para Társis. E fazemos uma enorme ginástica espiritual para convencer os outros e a nós mesmos que Társis é o lugar da nossa vocação. E, na fila para comprar passagem para Társis, acabamos compartilhando a suposta história da nossa vocação... para Társis, é claro. História sem tempestade e sem peixe. Sem relutância nem desobediência. Sem arranhões. Somos grandiloquentes, limpos e penteados... neste nosso sono profundo.


Mas tudo isso é muito geral e amplo. Há uma razão específica, no entanto, pela qual eu decidi escrever esta crônica sobre "Nínive ou Társis" justamente para este número da Ultimato. Mas eu queria ser um pouco mais concreto e estabelecer uma ponte entre esta crônica e as eleições gerais que vamos vivenciar em 3 de outubro.


Eu confesso que não tenho gasto muito tempo diante da televisão em "Horário Eleitoral Gratuito". Mas o pouco que vi foi o suficiente para perceber que apresentar-se como "evangélico" e como "pastor" parece render votos nesta campanha eleitoral. Nunca antes em nossa história política o voto evangélico foi tão cobiçado e, por mais que eu o tema, eventualmente comprado.


Este fenômeno é fácil de entender. Afinal, a família evangélica se caracteriza por um forte vínculo de compromisso e tem um razoável poder de mobilização. Ela cresce em número e influência e já não pode ser politicamente ignorada.


E, do outro lado da cerca, a política como exercício profissional passou a ser por nós bastante cobiçada, mesmo que ainda ontem ela tenha sido tão criticada. É por isso que há tantos candidatos evangélicos pedindo os votos dos evangélicos nesta campanha política.


Eu creio no exercício político e defendo a necessidade de cristãos na política. Mas isto só pode ser experimentado evangelicamente, como vocação para ir a Nínive. A minha percepção e análise, no entanto, é que nesta área parece que nós estamos mais é comprando passagem para Társis.


Ir a Nínive, no exercício da vocação política, significa experimentar esta própria vocação como peso e não como alívio. Significa anunciar o juízo de Deus e explicitar um compromisso com a justiça de Deus, que não espera outra coisa a não ser um arrependimento profundo e uma conversão radical da vida ao palácio, do individual ao coletivo, do pessoal ao ambiental, do redacional ao institucional. E significa, não por último, ser surpreendido por aquilo que Deus faz inesperada e graciosamente, como no caso de Nínive.


Társis, pelo contrário, é a escolha do exercício político como espaço de autopromoção. É o uso da linguagem da vocação como acobertamento da ambição, seja pessoal ou institucional. Ir a Társis significa transformar a fé cristã em uma religião representativa que cobiça o bolo do poder e até se satisfaz com um pedaço do bolo. Significa estabelecer alianças e compromissos que, mesmo ganhando uma rádio, não se colocam a serviço da justiça de Deus nem têm em perspectiva o todo da coletividade brasileira.


Ir a Társis significa, ainda, entender o povo de Deus como massa de manobra e medir o impacto da igreja em termos estatísticos e mercadológicos, onde já não há nem espaço nem necessidade para a surpreendente misericórdia de Deus.


Hoje, por estranho que pareça, eu queria convidar Jonas a, "caminho dum dia", percorrer as nossas conferências e encontros, cultos e celebrações, diálogos e comícios convocando-nos ao arrependimento para que, quem sabe, tenhamos a graça de um encontro com o Deus que é, ao mesmo tempo, assustadoramente sério e surpreendentemente misericordioso. Ao caminhar entre nós, Jonas estará nos lembrando que Nínive é o lugar da nossa vocação e que o caminho para Társis não vale a pena.


Caminhemos, pois, rumo a 3 de outubro, balbuciando esta oração da conversão e clamando por este "arrependimento de Deus" que nos permite experimentar a sua graça como família de Deus neste país.

 

* Por mais que eu tenha trabalhado com o livro de Jonas, esta crônica se alimentou do fantástico livro de Eugene H. Peterson intitulado Under the Unpredictable Plant (Eerdmans, 1992).

 

Publicado originalmente na Revista Ultimato.

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