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  • Foto do escritorValdir Steuernagel

Quem são os nossos modelos? Modelos de liderança!

Conversando acerca de uma viagem à Romênia

Tudo era muito grande, imenso, suntuoso. Agressivamente suntuoso. As portas eram enormes, os halls de entrada e os salões espaçosos e o teto ficava lá em cima. Assim, a sacada na qual eu começava a pisar também era farta em espaço. E a visão que se desenhava à medida que eu avançava era impressionante. Lá estava, a meus pés, a avenida central de Bucareste. Era desta sacada que o ditador Ceauscescu planejara falar à multidão. Mas, por ironia da história, ele nunca chegou a fazê-lo.


Ceauscescu foi ditador na Romênia de 1965 a 1989. Procurando implantar, com mão de ferro, um regime comunista no país ele acabou morto pelo seu próprio pessoal, na onda da derrocada do bloco comunista. Inspirado pelo modelo maoísta e no conceito do “grande líder”exercido na Coréia do Norte, ele queria fazer da Romênia um grande país – nem que fosse a ferro e fogo. E ele seria o grande líder dessa futura grande nação.


Munido deste sonho, ele começou a construir na capital, Bucareste, um enorme prédio. Tão grande que seria o segundo do mundo em tamanho, perdendo apenas para o Pentágono, nos Estados Unidos. E nesse prédio ele investiu o valor correspondente ao valor do Produto Interno Bruto (PIB) de todo um ano da própria Romênia. Era muito dinheiro a ser investido num prédio ridiculamente grande, com uma sacada grandiloquente a desenhar uma vista imponente... com a Romênia a seus pés!


Era para esse prédio, pois, que o ditador planejava se mudar. Mas foi assassinado. O prédio foi ocupado só mais tarde, e só em parte. O próprio Estado não precisava de um negócio tão grande, mas carecia pagar as despesas da sua manutenção. Por isso, espaços e salões estão sendo cedidos para grupos e encontros, como aquele encontro de igrejas que me levou a andar por aqueles corredores enormes e a pisar naquela pequena grande sacada.


A fracassada grandiloquência de Ceausescu

É impossível visitar a capital da Romênia sem que alguém aponte para aquele grande prédio e comece a contar a história dele. É até questão turística. Por mais aviltante que a construção do prédio seja, de repente um bom “marketeiro” até encontra os meios para sustentar esse “elefante branco”. E daquela sacada a gente até ri da loucura de mais um ditador a frequentar as páginas da história.


O revoltante de todo esse processo, no entanto, é que o país pagou e paga a conta do devaneio de um ditador. E geralmente são os pobres que pagam a parte mais salgada dessa conta. E, no caso da Romênia, as crianças foram as maiores prejudicadas pela loucura de um ditador.


São milhares e milhares de crianças que teimam em viver abandonadas em verdadeiros orfanatos-depósitos. Crianças que seriam usadas pelo Estado para a construção de um grande país. Ainda hoje, mais de dez anos depois da morte do comunismo, a Romênia, um país de 23 milhões de pessoas, tem mais de 100.000 crianças que vivem em escolas residenciais, orfanatos e hospitais. Um país que desenvolveu uma verdadeira cultura de abandono de crianças e alimenta o mito de que o Estado “cuida das nossas crianças”.


Como o índice de crescimento da população não era satisfatório e as famílias, com seus pobres recursos, teimavam em não ter muitos filhos, o Estado criou o mito que dizia: “O Estado cuida das crianças. Vamos, pois, ter filhos”. E assim as instituições-depósito, devidamente vedadas aos olhos públicos, foram se multiplicando por todo o país. E quando as fronteiras do país caíram, a máscara do cuidado das “nossas crianças” também caiu. E milhares de crianças sem pai e mãe começaram a mostrar a cara. Pobres, abandonadas e maltratadas faces, comprometidas pelo devaneio de um miserável ditador!


Ao falar dessa minha viagem, eu não estou meramente falando da Romênia. Estou falando de todos nós. Do nosso próprio país, das nossas próprias igrejas e das nossas instituições. Quantas vezes e em quantas ocasiões os nossos planos grandiloquentes não medem as consequências e o nosso estilo de liderança requer o sacrifício do outro!


De qual fonte bebemos água?

A experiência de Ceausescu e a sua tentativa de implantar um determinado regime acabam sendo ridicularizadas pela história. Mas elas teimam em ser repetidas, com mais ou menos disfarce. Os grandes investimentos na imagem, a construção de obras inauguráveis, a obsessão em se manter no poder, o resgate da liturgia do cargo e a tentativa de abafar este ou aquele escândalo, parecem ser água da mesma vertente a nunca matar a sede de poder. Ademais, a construção e a manutenção de currais eleitorais, a teimosia em manter a indústria da seca, o exercício do nepotismo e uma contínua prática política clientelista parecem dizer que somos farinha do mesmo saco; o poder é usado para nos promover e servir, custe o que custar.


E essa prática não é nem nova nem restrita. Ela invadiu o círculo dos próprios discípulos, como deixa claro aquela história da mãe de Tiago intercedendo pelo posicionamento estratégico dos seus filhos. E, como se isso não bastasse, os outros discípulos nem disfarçam e manifestam claramente o seu descontentamento: “Ora, ouvindo isto os dez, indignaram-se contra os dois irmãos” (Mt 20. 24). E por que é que eles se indignaram? Eu, quem sabe, diria: “Como é que eu cheguei atrasado nessa?”


Em que medida os modelos que desenvolvemos e as práticas que desencadeamos são diferentes? Será que a cultura administrativa das nossas igrejas é diferente? Será que a prática do poder, de muitos de nós, pastores, é muito diferente? Será que os critérios que determinam os mecanismos decisórios dos nossos presbitérios não usam o mesmo perfume da mãe de Tiago?


Ao perceber o “quiprocó” que se instala entre os seus discípulos, Jesus diz assim:


“Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridades sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva.” (Mt 20. 25-26)

E isso nós devemos ouvir sempre novamente. Pois a nossa vocação é seguir os passos de Jesus, que sempre usou a escada do poder para caminhar para baixo e com as mãos estendidas no objetivo de receber e abraçar o outro.


Ver, compadecer-se e agir:
O modelo de Jesus.

Eu confesso que voltei da Romênia incomodado, revoltado e chateado. Como é possível viver de forma tão desligada da realidade? Como é possível ser tão radicalmente morcego e se alimentar do sangue do outro? Especialmente, revestir-se de uma cega crueldade tal que consome o sangue das crianças?


Mas eu não posso apenas me revoltar com o outro. Preciso, isto sim, olhar no espelho. Será que o exercício da minha relação matrimonial, da minha paternidade e do meu ministério é diferente?


E lá estava eu sentado diante do ex-funcionário que me dizia na cara que a forma como se havia dado a saída dele do Centro de Pastoral e Missão, do qual eu sou o diretor, não havia sido correta. E eu precisando lhe pedir perdão porque o processo através do qual se deu sua saída não foi bom. É assim, pois, marcado pelas minhas próprias faltas e pecados, que eu encontro uma vez mais a Jesus, seu olhar, sua palavra e seu abraço.


E assim eu li, outro dia, uma meditação em torno à palavra de Mateus 14.14: “Desembarcando, viu Jesus uma grande multidão, compadeceu-se dela e curou os seus enfermos”. Encantado, eu silenciei. Sorvendo a graça da atitude de Jesus e sendo desafiado a modelar a minha vida pela palavras de Jesus, eu concluo que a compaixão faz diferença, sim, enquanto o mero poder endurece e distancia.


Os olhos de Jesus enxergam o pequeno, o fraco e o excluído. Eles enxergam o perdido e os seus braços o alcançam. Os longos braços de Jesus abraçam o inalcançável e tocam o enfermo; recolhem o solitário e recebem o excluído. Toque de salvação.


Ver, compadecer-se e agir foi um trinômio exercitado por Jesus no decorrer do seu ministério. Um trinômio que quer invadir a igreja e ser praticado pela sociedade.


A sacada de Jesus é, pois, uma cruz que atravessa fronteiras e cobre abismos. Uma cruz que nos ensina a ver o outro e, abraçado com ele, buscar guarida no acalento da sombra da cruz. Uma cruz que aponta para a possibilidade de recomeçar e modelar a vida pelo exemplo de Jesus.

 

Publicado originalmente na Revista Ultimato.

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