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Foto do escritorValdir Steuernagel

Uma apologia da queda

“Vinde, adoremos e prostremo-nos;

ajoelhemos diante do Senhor que nos criou”. (Sl 95.6)

As histórias podem ser as mais variadas e correm em direções confusamente diferentes. Alguém excitado, pode falar da bênção da sua queda. Em crise, respondeu ao apelo pastoral e foi à frente. Em resposta à oração pastoral caiu para trás e depois de um tempo caído no chão levantou diferente. Abençoado.


Alguém outro pode lhe contar uma história diferente. Em pé, tendo ido à frente em resposta de fé, não caiu. De repente, no entanto, uma mão forte e firme o empurra para trás e a pessoa cai, mas cai forçada. Em lugar da bênção, o que houve foi a raiva por ter sido empurrado e forçado. Duas histórias diferentes. Opostas! Confusas! Assim é a nossa realidade.


Outro dia, após uma pregação que fiz numa igreja houve um apelo. Apelo este que procurava ir de encontro às pessoas. Para isso ou para aquilo, por esse ou aquele motivo, algumas pessoas vieram à frente e foram ministradas. Em resposta à oração e amparadas adequadamente por pessoas orientadas elas caíram para trás e deitadas ao solo, usufruíram da bênção. Tudo muito tranquilo e suave.


Fiquei razoavelmente tranquilo. Havia falado da palavra de Deus e, em resposta, as pessoas buscavam a Deus e/ou alguma resposta. Ademais, eu estava contextualizado. Cair é bastante normal. É até, e para muitos, espiritualidade. De unção e poder no Espírito.


É possível, ainda, fazer referência a este ou aquele texto bíblico e a citar aquela experiência bíblica, fazendo alusão a base bíblica de uma experiência profética. Mas eu confesso que tudo isso é muito pouco e eu fico com este gosto de carência na boca. Carência de uma boa fundamentação bíblica a legitimar uma prática sólida e saudável. Uma prática que vá além da moda, da contemporaneidade e da experiência. Uma prática que vá além da periférico bíblico.


É preciso estar consciente que a igreja, não está isenta da busca da moda. Em fazer coisas atraentes e novas, que chamam as pessoas para as igrejas e seus programas.


E, como as pessoas, muitas vezes em crise, estão dispostas a experiências e novidades, elas respondem a apelos e caem sobre carpetes. Mas tudo isso acaba sendo fraco, relativo e perigoso. O que, afinal, virá depois?


Há três tipos de preocupação que compartilho. A primeira é de que precisamos de uma boa e sólida base bíblica, para o que anunciamos e fazemos. Isso, e nesse caso, eu não consigo encontrar, como já aludi anteriormente.


A segunda tem relação com a autonomia da experiência. Esta é importante e legítima mas não pode andar sozinha. A experiência adquire sua legitimidade na submissão ao verbo e veredito teológico. É a palavra que dá sentido a experiência e nunca o contrário.


Em terceiro lugar, a nossa contemporaneidade precisa ser encarnacional. Ter como objetivo o compartilhar do amor salvífico da parte de Deus. Se o nosso processo de identificação e contemporaneização não são encarnacionais eles são mundanos. Ou seja, eles precisam visar o compartilhamento do testemunho. Precisam estar a serviço do compartilhamento de Deus. Nesse momento, a caminho da pós-modernidade, a igreja corre o risco de buscar o transcendente e emocional por si mesmo e tornar-se, portanto, mundana. A prática da queda corriqueira e discriminada não pode estar sobre essa marca?


É possível, no entanto, perceber uma vertente bíblica, que fala de uma queda. E o faz com consistência e solidez. Mas esta não é uma queda para trás. É uma queda para frente, como John Stott nos ensinou. Uma queda de joelhos; para a adoração e a obediência.


Quando o visionário e apologético João, “companheiro de vocês no sofrimento” (Ap 1.9), como ele o diz, vê a visão de Deus e ele “cai aos seus pés e é abençoado por Deus”:


Quando o vi, caí a seus pés como morto.

Porém ele pôs sobre mim a sua mão direita, dizendo:

Não temas; eu sou o primeiro e o último,

e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo

pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves

da morte e do inferno. (Ap 1. 17-18, )


Uma queda assustada e inesperada. Determinada e abençoada por Deus. Na queda para trás, se poderia dizer, se tende a buscar a experiência. Na queda para frente se experimenta arrependimento e a vocação para a obediência. A experiência para trás é buscada. Para frente se cai contra si mesmo. São tantas as pessoas na Bíblia que visitadas por Deus se assustam e, trêmulas, dizem sim ao chamado de Deus. Pessoas chamadas e caídas contra si e para Deus. Cair para frente, de joelhos, indica a suficiência e a soberania de Deus. Indica, ainda a nossa indignidade e insuficiência. É tremula e assustada caída pelo perdão. É também, caída para a vocação silenciosa e a obediência assustada. Essa queda provoca o silêncio e o susto. A conversão e a nova obediência.


É importante cair... mas cair para afrente; de joelhos em arrependimento, adoração e obediência. É para esta caída que Deus me convoca e é esta a minha apologia da queda.


 

Publicado originalmente na Revista Ultimato.


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