O crescimento da igreja e o caminho de fidelidade
Crescimento e intensidade!
Pouco tempo atrás, em uma mesma semana, duas revistas nacionais fizeram do fenômeno evangélico sua capa e seu artigo central. E isso aconteceu na semana após as eleições do primeiro turno para prefeitos e vereadores. Ou seja, as revistas optaram em abordar os evangélicos a tematizar o resultado das eleições como sua capa e respectiva matéria central.
Além disso, no segundo turno dessas mesmas eleições um dos candidatos de uma das grandes cidades brasileiras fez de sua dita identidade cristã um assunto de campanha. Ao afirmar sua identidade, implicitamente negando a do seu adversário, ele procurava certejar os votos evangélicos os quais, afinal, já são tantos que valeria a pena buscá-los com intencionalidade e intensidade.
O fato é que a igreja evangélica brasileira cresceu enormemente nas últimas décadas. Hoje não apenas os cristãos evangélicos são muitos, mas as suas igrejas são, em muitas coisas, grandes e imponentes. Eles estão em todos os setores da sociedade e têm, chamado a atenção nos campos de futebol, no mundo político e artístico. Este é um novo cenário no qual a igreja esta precisando aprender a se movimentar e inclusive avaliar.
Eu não tenho a intenção de fazer essa avaliação neste artigo. Eu gostaria apenas abordar umas poucas coisas que me parecem fundamentais neste momento. São coisas que brotaram diante dos meus olhos quando conversando com a bíblica de Samuel e de sua mãe.
É importante cumprir as promessas
Os episódios da vida dessa amada e pobre mulher, chamada Ana e mãe de Samuel são conhecidos. Cansada e amargurada em função da sua esterilidade ela, enfim, decide derramar a sua alma perante Deus. A oração que ela faz se constitui num dos mais comoventes exercícios de transparência que a Bíblia registra. A intensidade da sua oração se transforma num voto:
“E fez um voto, dizendo: Senhor dos Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva te não esqueceres, e lhe deres um filho varão, ao Senhor o darei por todos os dias da sua vida,...” (1 Sm 1.11)
Sabemos que Deus se lembrou dela e a sua alegria foi imensa e indescritível. Ela ria, pulava e cantava como há tempo não se via. Como uma grávida orgulhosa ela não queria esconder a sua barriga. E assim, grávida, ela se sentia acalentada por Deus.
Mas o dia do parto chegou e o período de amamentação se transformou num misto de riso e lágrima. Quando esse período terminou ela sabia que tinha um voto a cumprir. Um ato de obediência a realizar. Foi assim que ela começou a arrumar a mala de Samuel e a prepará-lo para uma mudança fundamental de vida. E quando ela reencontrou o velho profeta Eli disse:
“Pelo que também o trago como devolvido ao Senhor por todos os dias que viver; pois do Senhor o pedi. E ele adoraram ali ao Senhor.” (1 Sm. 28)
Ana foi uma mulher que cumpriu o seu voto. Não apenas devolveu ao Senhor o que dele recebeu, mas presenteou o povo de Deus com o seu filho Samuel o qual veio a ser um dos líderes chaves no processo de solidificação da história do povo de Israel.
É importante sermos conhecidos como um povo que sabe cumprir os seus votos. Que devolve a Deus o que dele recebe e enriquece ao outro com a bênção recebida por Deus. A tentação que nos cerca nesta hora não caminha nessa direção. Ela nos leva a ver na bênção uma graça egoísta. Um favor particular. Até um objeto de consumo. Assim a bênção de Deus passa a ser um produto de consumo particular e religioso. É contra essa tentação que Ana nos adverte e nos pede que lembremos do seu exemplo de vida, por mais que os seus olhos estivessem marejados de lágrimas na sua despedida de Samuel.
Exercer fidelidade cotidiana
É claro que Ana não se esqueceu de Samuel. Pode, afinal, uma mãe se esquecer de seu filho? À medida que o tempo de ir ver Samuel, o que ela fazia naturalmente, se aproximava, Ana parecia se transformar. Ela se tornava numa pessoa alegre e “avoada”. Elcana, seu marido, faltava entrar em desespero e desacoçoado murmurava; “vá entender essa mulher!”
Um dos rituais inegociáveis nesse período que antecedia a subida ao templo e a visita ao filho era o tempo o qual Ana passava diante da máquina de costura. Pois era ali que ela não apenas costurava a nova peça de roupa ao seu Samuel, mas colocava naquela peça um pedaço do seu amor. O texto diz assim:
“Sua mãe lhe fazia uma túnica pequena, e de ano em ano lha trazia, quando com seu marido subia a oferecer o sacrifício anual.” (1 Sm 2.19)
Aquela era, pois, era uma túnica muito especial, tanto para Samuel como para Ana. A ela porque colocava no processo da costura da túnica um pedaço de si, e ao fazê-la lhe dava um sentimento de participação na missão de Deus e na vocação de Samuel. E este olhava para a túnica, sorria e sabia-se amado e doado pela sua mãe. E vestir a túnica atenuava um pouco da saudade que sentia dela dia após dia.
Eu sei dessa história, pois minha mãe é costureira. Faz a maioria das calças que visto e nas quais tem o toque, o feitio e a cara dela. E eu sei que cada uma dessas calças vem acompanhada de um pedaço dela. Da saudade dela. Assim é com a minha mãe e assim era com a mãe de Samuel.
Mas tudo isso por causa de uma túnica que, afinal não parece muito. Mas era uma túnica a cada ano e isso eu quero destacar. Uma túnica que se constitua num passo de fidelidade e um gesto de continuidade. E isso é muito importante. Que a nossa igreja e nós como parte do povo de Deus caminhe na direção da continuidade fiel. Nas pequenas coisas. Ano após ano.
A tentação que nos acompanha é a da experiência grandiloquente e a do resultado imediato. Nós gostamos e queremos experiências fortes e consequências imediatas. Coisas para o consumo instantâneo. Assim queremos viver a nossa vida cristã e essa imagem damos a igreja.
O que o exemplo de Ana nos mostra, no entanto, é a importância das pequenas coisas que se enraizam no ritmo da nossa vida; uma túnica a cada ano... mas a cada ano uma túnica. Viver a fé cristã com fidelidade é fundamental para a saúde da igreja e o estabelecimento de uma boa continuidade generacional. Algo assim como Ana e Samuel.
Buscar intimidade com Deus
E assim Samuel foi crescendo e a sua túnica encurtando. Até que no próximo ano ele ganhava uma túnica nova e sorrindo abraçava a sua mãe com a nova túnica entre os braços.
Mas a vida de samuel era muito mais intensa do que colocar e tirar a túnica. Pois ele “servia ao Senhor” (1 Sm 3.1). Como diz o texto. E a medida que ele crescia se intensificava a sua intimidade com Deus (1 Sm 3.19), num período no qual “a palavra do Senhor era mui rara; as visões não eram frequentes”(1Sm 3.1)
A imagem que o texto bíblico nos transmite é o de uma época onde o temor a Deus não estava na agenda das pessoas. Samuel, no entanto, crescia na intimidade com Deus e no serviço a Ele, em meio a este deserto da Palavra e este cerco de infidelidade a Deus.
E assim são os nossos dias. Marcados pela desobediência a Deus e por um caos vivencial. O crescimento do individualismo e da violência parecem apontar para o risco da desintegração social. E a igreja precisa clamar para que Deus não nos abandone com o seu silêncio.
Se a igreja quiser ter uma presença de impacto nessa sociedade ela precisa vivenciar o caminho da intimidade com Deus e do serviço a ele no mundo. Samuel continua a nos mostrar o caminho, numa longa vida de fidelidade a Deus e serviço ao seu povo. Em obediência ele viveu os seus anos, conclamou para uma vida na presença de Deus e a construção de uma sociedade que expressasse a glória de Deus e a qual Deus queria continuamente enriquecer com a sua palavra.
Sera que é essa marca que transmitimos a nossa sociedade e a qual deixaremos à geração futura?
Publicado originalmente na Revista Ultimato.
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