Homem e mulher os criou!
Alynne tem um sorriso grande e bonito. Quando ela vem aqui em casa, quase sempre traz junto o sorriso e um abraço, dizendo que está com saudade. Nem faz tanto tempo que ela veio morar em Curitiba, ao casar-se com o Valdson. Mas ela chegou rápido e por inteiro, ajudada pelo sorriso e pelo seu abraço. Ele não tem o sorriso dela, mas tem uma alma meiga, serve com gosto e logo atrai as pessoas.
Recentemente os dois participaram de um retiro de casais aqui em casa. Quando eles contaram sua história, descobrimos que o sorriso da Allyne foi a marca que ficou com o Valdson desde a primeira vez que a viu, na distante São Luís do Maranhão, onde os dois se conheceram e começaram a namorar. Do primeiro sorriso à decisão do namoro, ele contou, foi preciso um bom tempo até cristalizar a intenção de casar-se com ela. Já ela diz que desde o primeiro encontro sabia que ele teria de ser o homem da sua vida.
Eles estão casados há dois anos e eu e minha esposa somos testemunhas do quanto se amam e se complementam. Manifestam carinho mútuo, embora os dois sejam voluntariosos e não perdem oportunidade para uma boa discussão; e a gente se pergunta como eles processam o sorriso e a meiguice com o sangue acalorado de ambos. Na sua história, no entanto, eles compartilharam que até chegar ao casamento o tempo foi difícil e pedregoso. Alynne qualifica como “um terror” os três anos de namoro à distância. Discutiam diariamente pelo Skype, o que deixou a relação deles, muitas vezes, tensa e por um fio. Hoje eles lembram do primeiro sorriso e do difícil tempo de namoro no reconhecimento de que foram feitos um para o outro.
Como o primeiro casal da história, que fez a mesma descoberta.
Está faltando alguma coisa!
Temos caminhado por entre os lances poéticos da narrativa de Gênesis, mergulhando mais e mais na beleza e no ritmo da criação. Vimos as diferentes faces da criação sendo desenhadas dia após dia pela impressionante palavra-presença do Deus criador: “E disse Deus: ‘Haja...’, e houve”. Como que numa sinfonia, fomos sendo arrebatados para dentro de um universo no qual os nossos diferentes sentidos eram acionados para acompanhar o ritmo da criação, até que, num gran finale, deparamos com a criação do ser humano. Homem e mulher os criou. À imagem de Deus os criou. Fantástico! Ato contínuo, Deus contempla e celebra a criação e entra em descanso. A grande sinfonia acabou e no descanso ele como que degusta os sons de sua palavra criadora. Assim termina o primeiro relato da criação em Gênesis (Gn 1:1-2:3).
Ao iniciar o segundo relato (Gn 2:3-25), é como se um outro narrador dissesse: “Vamos olhar para tudo isso novamente e de um outro jeito!” Então leva-nos ao encontro de Deus, que está criando o homem do pó da terra e soprando nele o fôlego da vida. Como a marcá-lo com a imagem divina, Deus instila o seu próprio sopro no homem que acaba de criar. Ele dá de si mesmo ao homem que cria. A seguir, caminha com ele pelo jardim e lhe apresenta a criação, com suas possibilidades e limites, e o enriquece com a vocação de gerir o mundo ao seu redor.
Mas faltava alguma coisa! E tanto Deus como o homem percebem isso. Tudo parecia muito bem, mas o homem estava muito sozinho. Em meio a todo o universo, não estava encontrando nem experimentando uma companhia que lhe desse o senso de afirmação, completude e companheirismo. Algo estava definitivamente faltando! Então Deus põe aquele recém-criado homem a dormir e depois o faz acordar para uma nova realidade. E este exclama:
“Até que enfim!
Osso dos meus ossos e carne da minha carne!
Seu nome será Mulher, pois foi feita do Homem”.
Portanto, o homem deve deixar pai e mãe e unir-se à sua esposa.
E os dois se tornarão uma só carne.
O Homem e a Mulher estavam nus, mas não sentiam vergonha. (Gn 2:23-25 MSG)
Até que enfim!
E então uma nova história começa. A história de um relacionamento que será vivido como mandato divino para a relacionalidade, a multiplicação e a gestão do universo no qual os dois foram colocados. Essa convivência tem algumas marcas que devemos buscar para nós e que querem moldar também os nossos relacionamentos. São marcas que eles perderam cedo e estão sempre sob a ameaça de se perderem também para nós:
O fascínio que descobre o outro e se encanta com ele.
A complementação da qual se necessita para sentir-se inteiro.
O compromisso de um com o outro, como prioridade absoluta.
A intimidade que aprende a conhecer o outro profundamente.
Cada uma dessas marcas tem o seu lugar e o seu tempo de amadurecimento, mas nenhuma pode faltar na construção de uma relação bonita, estável e cumpridora da vocação humana. E assim a sinfonia continua. Mas, como a própria história de Adão e Eva o demonstram, quando procuramos outros caminhos a sinfonia desanda e a vida fica muito atrapalhada.
Valdson e Alynne têm um longo caminho a percorrer depois que disseram “Até que enfim!”. E eu e minha esposa, que os acompanhamos, esperamos ter a oportunidade de vê-los tornar em realidade cada uma dessas marcas, na medida em que a sua relação matrimonial amadureça e eles exerçam a vocação de servir a Deus em seu universo. Afinal, este é o desejo de Deus para todos os casais.
Até que enfim!
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Publicado originalmente na Revista Ultimato, ed. 349
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