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Foto do escritorValdir Steuernagel

Deus trabalha! Jesus trabalha! Todo mundo trabalha?

O evangelista João registra um significativo encontro de Jesus com um homem que havia passado 38 anos sem nunca conseguir entrar em contato com um lugar de cura chamado Betesda, porque outros sempre chegavam antes dele. Pois é justamente ali, naquele lugar de esperança para muitos mas de contínua decepção para o paralítico, que o Mestre vai encontrá-lo. Jesus chega, conversa com ele, coloca-o de pé e o faz caminhar depois de muito tempo!


O texto que relata esse acontecimento (João 5.1-15) vem acompanhado de uma longa polêmica, pois a cura acontece num sábado e, ainda por cima, bem nas barbas daqueles que eram os guardiães daquele lugar e se consideravam os verdadeiros intérpretes da Lei, estabelecendo o que se podia ou não fazer no sagrado dia de descanso. Em meio a essa discussão Jesus pronuncia uma palavra que afirma a unidade entre ele e o seu Pai, destacando que ele nada faz que o Pai não queira e que só faz aquilo que representa o Pai e que Ele mesmo faria. É na afirmação da sua unidade com o Pai que Jesus usa a palavra trabalho, que pouco aparece nos Evangelhos: Meu Pai continua trabalhando até hoje, e eu também estou trabalhando (Jo 5.17). Aliás, no capítulo anterior ele já havia dito que fazer a vontade do Pai e completar a sua obra era o sentido da sua própria vida ou, em suas palavras, a sua “comida” (Jo 4.34).


Quer dizer, então, que Deus trabalha e Jesus, também? E que, quando ele trabalha, a vida é restaurada? Que Pai e Filho estão empenhados numa obra e querem vê-la concluída? Como se pode entender e discernir melhor esse Deus trabalhando e até perguntar se temos alguma possibilidade de participar nesse seu mundo?


Ao olharmos para a história da criação, registrada no início da Bíblia (e que estamos abordando nesta série), vamos descobrindo o quanto essa narrativa revela quem Deus é, o que Ele faz e como nos convida a integrar, não apenas a própria criação mas a maneira como Ele se relaciona com ela e a sustenta. Isto se expressa da maneira mais significativa e completa possível no evento da nossa própria criação (Gn 1:26). Deus trabalha e nos convida a trabalhar também. Mais do que isso, indica que o nosso trabalho deve ser da mesma natureza que o dele.


Voltando ao encontro de Jesus com o paralítico, podemos dizer que uma das dimensões do trabalho de Deus tem natureza restauradora. Tratar de um paralítico abandonado por 38 anos e colocá-lo em pé dá trabalho, e nesse trabalho Jesus se engaja, mesmo sendo dia de descanso. Mas isso, na vida de Jesus, não é nenhuma novidade. Bem no início do seu ministério, no assim chamado “programa de Nazaré”, ele declarou que iria anunciar o evangelho aos pobres, proclamar restauração aos cativos, restaurar a vista aos cegos e pôr em liberdade os oprimidos. E passou a vida fazendo exatamente isso, e o fez muito bem.


Se somos chamados a trabalhar com Deus para a “conclusão” da sua obra, então nosso programa tem de ser o do Nazareno; e as possibilidades para fazermos isso em nossos dias são enormes. Mulheres grávidas necessitam de parteiras, doentes de médicos, crianças de professores, idosos de cuidadores, mortos de agentes funerários, assim como cansados e oprimidos precisam de alguém que ore e chore com eles, para mencionar apenas um pouco do cardápio vocacional que foi colocado em nossa mesa vital no momento em que fomos criados à imagem de Deus.


Esta “grade de trabalho restaurador” deveria estar presente em cada uma das nossas igrejas, integrar a nossa agenda de trabalho com jovens e compor os cursinhos onde estes procuram descobrir sua vocação e definir como e com que irão ocupar o resto de suas vidas.


Isso é muito contracultura, eu sei. Mas é também evangélico e traz profunda realização à nossa vocação humana que visa projetar para o mundo o fato de sermos criados à imagem de Deus. Como tal, atendemos ao seu chamado para respondermos ao grito dos tantos “paralíticos abandonados” de nossos dias e ajudarmos a completar a obra da qual Deus teve a coragem de nos incumbir. É contracultura porque a nossa resposta vocacional nasce, não da pergunta pelo dinheiro e status social mas do desejo de ser uma resposta às necessidades humanas e constituir-se numa parceria com esse Deus que coloca o paralítico em pé depois de 38 anos. Os fariseus dos dias de Jesus não gostaram do que ele fez, mas não sabiam como colocar um paralítico em pé. Quem faz isso é Jesus e para isso ele trabalha e nos convida a trabalhar com ele. Como se dissesse: “Meu pai trabalha até hoje e eu também estou trabalhando. E olhem só, quanta gente que se chama pelo meu nome está trabalhando também!”


Esse trabalho é bom e faz parte do nosso discipulado. Pode até resultar em uns pingos de suor na testa, mas o sorriso em nossos olhos dirá que este suor é para glória de Deus.


Ufa! Escrever dá trabalho. Mas este é um bom trabalho. E ainda nem consegui escrever sobre a “celebração e o descanso, como anunciado no artigo anterior. Ainda bem que tem outros artigos pela frente. Boa leitura e bom trabalho!


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Publicado originalmente na Revista Ultimato

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